DA IMPORTÂNCIA DA INSERÇÃO DE NOVAS
GARANTIAS LEGAIS DECORRENTES DE VÍCIOS E DEFEITOS EM PRODUTOS DURÁVEIS COMO
MECANISMO DE DESESTÍMULO AO DESCARTE PROGRAMADO.
Imaginemos, nós consumidores, que tanto nos
esforcemos para adquirir um bem de consumo, em cujos preços, muitas vezes, “saltam
aos olhos”; todavia, bem este de grande valia para nossa atividade
profissional, nossa segurança, conforto ou mesmo, para facilitar nosso dia a
dia.
Na grande maioria, produtos vindos aos milhares são produzidos fora de nossa cidade, estados e até país, algo tão comum no mercado
atual, que ficamos habituados a verificar em sua embalagem, a famosa
nomenclatura de origem: made in, de
modo que passamos a questionar a partir desta informação um subterfúgio elo de
achar que um produto vindo do país A será melhor que o produto do país B.
De sorte, sabemos o quanto o comércio de bens,
produtos e também serviços são diferenciados, certamente pelo maior rigor de
algumas políticas de qualidade, de modo a minimizar ao máximo, os riscos de
perecimento dos produtos, a sua segurança e dos usuários, convalidando maior
qualidade e durabilidade e até mesmo, reduzindo as matérias primas utilizadas
na fabricação que na grande parte, está se tornando mais escassos, devido ao
próprio bem natural, ou seus custos, além do sofisma da modernidade de estar
sendo inovando e recriando novas “embalagens”.
Quem não se lembra dos produtos como Tvs, máquinas
de lavar roupa, forno de microondas, geladeiras, ou mesmo uma simples batedeira,
câmeras digitais, veículos e outras gamas de infinidades de produtos e marcas
tidas referência e exclusivas a bem pouco tempo atrás; época em que estávamos acostumados
a adquirir produtos sob o sinônimo confiável de garantia de qualidade e
durabilidade. Não estamos anunciando períodos tão distantes, mas talvez um
passado próximo dos quais certamente nos fazem falta. Quem não se recorda do
chamariz publicitário na copa de 1990 da marca Sharp de televisores: “Garantia
até a copa de 2014”, dos produtos de som dos anos 80 da marca Gradiente, que
mesmo passado três décadas, em muitos lares, certamente, estejam funcionando
com a mesma qualidade.
Na época acima refratada, estaria no nascedouro, a
legislação federal do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), que assim,
passaria a lidar especificamente sobre tais assuntos, mantendo-se validade até
a presente data, substituindo e aferindo novos prazos sobre as garantias e as
extensões de responsabilidades para com os fabricantes, produtores, fornecedores
e construtores, nacionais e estrangeiros.
É fato que hoje vivenciamos o chamado: “descarte
programado dos produtos duráveis”, ou seja, os aparelhos não possuirão tamanha durabilidade,
ainda que adquiridos a preços altos, é quase certo, que em menos de 4, 5 ou 6
anos, caso tenham sorte, seu aparelho apresentará algum dito de defeito que o impeça
seu uso normal.
Sabemos que pelo avanço do mercado globalizado,
hoje, as indústrias fabricantes de aparelhos e inúmeros gêneros descentraliza
sua produção, servindo-se em grande maioria, de polos unicamente de montagens,
razão pela qual, os controles de qualidades na formação de peças e componentes estão
cada vez mais factíveis a determinados vícios e defeitos, comprometendo toda a
funcionalidade dos aparelhos.
Em nível de mercado, torna-se mais acentuado o volume
de compra e venda de aparelhos, atendendo a uma demandada capaz vez maior pelo
consumismo exagerado e frenético na busca por aparelhos cada vez mais
inovadores. Atualmente, citamos os aparelhos de telefones celulares, e pelo que
percebemos, o que menos fazemos é fazer e receber chamadas; mas sim, utilizá-lo
como ferramenta para novos tipos de comunicações e interações.
Inobstante, voltemos à ideia sobre a durabilidade
dos produtos, que pelo que se percebe, ao adquirir um aparelho dos atuais
gêneros, incialmente, não se vale mais pela marca ou referência do produto,
origem do fabricante, pela identificação da loja ou seu fornecedor, mas sim,
por uma provável sorte para que tenhamos a convicção que não teremos problema
mais a frente. Esta é a triste sensação!
É de bom alvitre frisar que cada vez mais os novos
produtos venham a apresentar algum certo tipo de vício oculto em curto espaço
de uso ou mesmo de não uso, não sendo possível o consumidor constatar que o
mesmo encontrava-se com defeito de fabricação no ato da sua entrega, fragilizando
ao consumidor, uma situação de impotência.
Apesar
das garantias sobre tais ocorrências, dos quais condicionam ao consumidor a
opção dentro dos prazos de garantias legais e contratuais, como assim orienta o
Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), em seus vários artigos que
destacam as acepções sobre a responsabilidade civil objetiva (mais
especificamente tratando-se da teoria do risco); ou seja, sem culpa. Não só
como instrumento de facilitação da defesa do consumidor (hipossuficiente por
definição legal), mas também em atenção aos princípios balizadores dos arts. 6º
e 14 do CDC (vulnerabilidade do consumidor, por exemplo), que se busca uma atuação
para salvaguardar os direitos protetivos dos consumidores que a tanto se
esforçam para adquirir um produto ou um bem, durável o não, mas se surpreende
com seu “descarte” em tão pouco tempo.
O código de defesa do consumidor ao falar sobre vício
oculto diz que “O direito de reclamar
pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: II - noventa
dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. § 3°
Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que
ficar evidenciado o defeito”. Portanto, por se tratar de vício oculto de
bem durável, o consumidor possui 90 dias para reclamar (art. 26, II do CDC), a partir
do conhecimento do vício (art. 26, §3ª do CDC).
Agora,
imaginemos que o consumidor ao constar o defeito no seu aparelho, contata o
fabricante, a loja ou mesmo a assistência técnica, de modo que se corrige o defeito
(art. 18, §1ª, I do CDC), oportunizando aquele consumidor a substituição por um
aparelho novo, ao invés de promover o seu reparo e, passados alguns meses, depois
de escoado o prazo de garantia do primeiro aparelho ora substituído, o produto
a disponibilizado ao consumidor também apresenta defeitos que o torne impossível
sua real funcionalidade, às vezes até o mesmo defeito, ficando a dúvida: este
produto terá garantias?
O questionamento
é simples, pois o que se alvitra é aprimorar os reflexos nas garantias sobre os
produtos substituídos, ou seja, a extensão da garantia, ponto que a
atual legislação não aprimora o lacunoso ponto.
É notório a abusividade da não concessão de garantia
como nova ao produto substituído em igualdade de condições, pois a garantia do
produto é dada pela durabilidade deste.
Em alguns estados, na tentativa de dirimir tal
impasse, como é o caso do estado do Rio de Janeiro com adoção da Lei nº 6538/13, que
enaltece exatamente a respeito da concessão de nova garantia para produto
fruto de troca, em seu art. 1ª, define:
Art. 1º Na substituição de produtos
duráveis ou não duráveis por outro da mesma espécie, em razão de vício
insanável que o tornou impróprio para o uso ou que lhe diminuiu o valor, será
concedido ao consumidor novo termo de garantia equivalente ao mesmo prazo do
anterior, sendo vedada a exoneração contratual do fornecedor.
Nos mesmo caminho, os tribunais pátrios vêm entendendo
que os fornecedores respondem por vícios ocultos mesmo após o término da garantia,
decorrentes de defeitos de fabricação:
EMENTA: Quarta Turma -
DIREITO DO CONSUMIDOR. VÍCIO OCULTO. DEFEITO MANIFESTADO APÓS O TÉRMINO DA
GARANTIA CONTRATUAL. OBSERVÂNCIA DA VIDA ÚTIL DO PRODUTO. O fornecedor
responde por vício oculto de produto durável decorrente da própria fabricação e
não do desgaste natural gerado pela fruição ordinária, desde que haja
reclamação dentro do prazo decadencial de noventa dias após evidenciado o
defeito, ainda que o vício se manifeste somente após o término do prazo de
garantia contratual, devendo ser observado como limite temporal para o
surgimento do defeito o critério de vida útil do bem. O fornecedor não é, ad aeternum, responsável pelos produtos
colocados em circulação, mas sua responsabilidade não se limita, pura e
simplesmente, ao prazo contratual de garantia, o qual é estipulado
unilateralmente por ele próprio. Cumpre ressaltar que, mesmo na hipótese de
existência de prazo legal de garantia, causaria estranheza afirmar que o
fornecedor estaria sempre isento de responsabilidade em relação aos vícios que
se tornaram evidentes depois desse interregno. Basta dizer, por exemplo, que,
embora o construtor responda pela solidez e segurança da obra pelo prazo legal
de cinco anos nos termos do art. 618 do CC, não seria admissível que o
empreendimento pudesse desabar no sexto ano e por nada respondesse o
construtor. Com mais razão, o mesmo raciocínio pode ser utilizado para a
hipótese de garantia contratual. Deve ser considerada, para a aferição da
responsabilidade do fornecedor, a natureza do vício que inquinou o produto,
mesmo que tenha ele se manifestado somente ao término da garantia. Os prazos de garantia, sejam eles legais ou
contratuais, visam a acautelar o adquirente de produtos contra defeitos
relacionados ao desgaste natural da coisa, são um intervalo mínimo de tempo no
qual não se espera que haja deterioração do objeto. Depois desse prazo,
tolera-se que, em virtude do uso ordinário do produto, algum desgaste possa
mesmo surgir. Coisa diversa é o vício intrínseco do produto, existente desde
sempre, mas que somente vem a se manifestar depois de expirada a garantia.
Nessa categoria de vício intrínseco, certamente se inserem os defeitos de
fabricação relativos a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais,
entre outros, os quais, em não raras vezes, somente se tornam conhecidos depois
de algum tempo de uso, todavia não decorrem diretamente da fruição do bem, e
sim de uma característica oculta que esteve latente até então. Cuidando-se de
vício aparente, é certo que o consumidor deve exigir a reparação no prazo de
noventa dias, em se tratando de produtos duráveis, iniciando a contagem a
partir da entrega efetiva do bem e não fluindo o citado prazo durante a garantia
contratual. Porém, em se tratando de
vício oculto não decorrente do desgaste natural gerado pela fruição ordinária
do produto, mas da própria fabricação, o prazo para reclamar a reparação se
inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito, mesmo depois de expirado
o prazo contratual de garantia, devendo ter-se sempre em vista o critério da
vida útil do bem, que se pretende "durável". A doutrina
consumerista – sem desconsiderar a existência de entendimento contrário – tem
entendido que o CDC, no § 3º do art. 26, no que concerne à disciplina do vício
oculto, adotou o critério da vida útil do bem, e não o critério da garantia,
podendo o fornecedor se responsabilizar pelo vício em um espaço largo de tempo,
mesmo depois de expirada a garantia contratual. Assim, independentemente do prazo contratual de garantia, a venda de um
bem tido por durável com vida útil inferior àquela que legitimamente se
esperava, além de configurar um defeito de adequação (art. 18 do CDC),
evidencia uma quebra da boa-fé objetiva, que deve nortear as relações
contratuais, sejam elas de consumo, sejam elas regidas pelo direito comum.
Constitui, em outras palavras, descumprimento do dever de informação e a não
realização do próprio objeto do contrato, que era a compra de um bem cujo ciclo
vital se esperava, de forma legítima e razoável, fosse mais longo. Precedente
citado: REsp 1.123.004-DF, DJe 9/12/2011. REsp 984.106-SC,
Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 4/10/2012.
Desta
feita, compete aquele que detém a obrigação de reparo e assistência garantir a
entrega do produto na sua mais perfeita ordem, não apenas ao tempo de sua aquisição,
mas também, durante o período da garantia e de sua exteriorização por fatos
supervenientes que reflitam ao prejuízo inicial.
Destaca ainda, o doutrinador Sergio Cavalieri Filho:
O
serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar,
levando-se em conta as circunstâncias relevantes, tais como o modo do seu
fornecimento, o resultado e os riscos que razoavelmente dele esperam e a época
em que foi fornecido (art. 14 §1°). Como se vê, a responsabilidade do
fornecedor de serviços tem também por fundamento o dever de segurança, (...).
Os defeitos do serviço podem ser de concepção, de prestação ou de
comercialização (informações insuficientes ou inadequadas sobre seus riscos).[1]
Não
restam dúvidas que a relação jurídica estabelecida entre o consumidor e
fabricantes e fornecedores no tocante à boa qualidade da venda, uso e
manutenção, configura-se por relação de consumo, já que estão presentes todos
os elementos objetivos e subjetivos caracterizadores naquela relação jurídica.
De sorte
que não nos podemos “cerrar aos olhos” as praticas de mercado atualmente
utilizado, sem esquecer a hipossuficiência técnica do consumidor, razão pelo
qual, torna-se justa e necessária exteriorizar um apontamento legislativo no
âmbito federal, através de atualização do Código de Defesa do Consumidor, de
modo a alterar as garantias sobre a disponibilidade de peças de reposição,
componentes e gêneros enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto,
de modo que o Parágrafo único do art. 32 do CDC apenas define: “a oferta deverá
ser mantida por período razoável de tempo, na forma da lei”, ou seja, sem a
definição expressa de tempo para esta manutenção do fornecimento; bem como,
expender de modo coerente e definido, a extensão das garantias no mesmo prazo
aos produtos substituídos, razão que assenta não será considerado uma
penalidade aos fabricantes ou fornecedores, mas sim, assegurar uma segurança
jurídica sobre uma garantia para que seus produtos que estão expostos no
comércio se definam com qualidade prévia e segurança à escolha dos consumidores.
Nesta
conclusão, torna-se imprescindível a análise destes pontos, com o fito de
solucionar “o grande abismo desta lacuna jurídica”, prevalecendo de modo tênue o
uso do bom senso e da boa-fé a que se alume a todos os envolvidos na relação
consumerista, como mecanismo saudável e pontuado a gerir tais entraves que
vivenciamos aos dias de atuais, evitando deste modo, maiores entraves, descontentamento
com a qualidade daquele produto e marca.
© Gomes & Daher Sociedade de Advogados.
Autor:
ÁTILA GOMES FERREIRA.
Advogado,
Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho, Pós-Graduando em
Direito Processual Civil; Pós-Graduando em Direito Material e Processual
Tributário; Secretário Geral da Comissão de Política Urbana e Direito
Urbanístico da OAB/CE (2013-2015); Membro Diretor de Relações Institucionais da
Comissão de Política Urbana e Direito Urbanístico da OAB/CE (2010-2012); Membro
da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/CE (2012); Atuante nas áreas ligadas
a assuntos Cíveis, Trabalhista, Franquias, Tributário e de Empresa;